Corte de Sangue

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008


CORTE DE SANGUE

Acordo...
Mais um longo dia de merda...
Abro a janela e sinto o ar lúgubre da rua, que me envolve o corpo como se de um cobertor se tratasse.
Ketxi ronrona de prazer num banco ao lado da minha cama...
Suspiro... Quem me dera ser um gato.

Qual escrava, olho para o relógio... há tempo.

Com um passo abetumado tal como o de um prisioneiro sob pena de morte, dirijo-me á cozinha e abro o frigorifico.
Um cheiro inconfundivel atinge-me as narinas... Leite estragado!
Suspiro outra vez...
Enquanto tento degustar uma maçã, com um sabor a ranço, aprecio uma moldura vazia.
Esboço um soriso de dor...

Ouço as badaladas do sino lá fora... Apresso-me preparar a banheira. Brinco com a ideia de não ter água quente.Distraída como sempre... mas desta vez precavida!

Após preparar a botija e deixar a água encher a banheira dispo-me frente ao espelho. O mesmo tom anémico, cadavérico que me persegue desde criança, olha-me ameaçador de volta.
Arrepio-me...

Coloco a lâmina de barbear perto da banheira como faço sempre...
Mas hoje... hoje... parece ser diferente.

Deito o meu corpo lívido, na cama quente, recém feita.
Fecho os olhos e relaxo um pouco.
Todo o tipo de pensamentos me invade a mente... sobretudo dor... uma dor que simplesmente se recusa a abandonar-me, uma dor fiel e a única amiga que tive.
Minto...
Amizade nao causa tanto sofrimento... Esta dor comporta-se mais como um amante carnal, saturado de desejo, um poço de amor e ódio.

Com um movimento lânguido seguro a lâmina.
Sinto o corpo mais frio e relaxado do que alguma vez o tinha sentido até ali.A mente finalmente tranquilizada... sem dor.

Ketxi mia ao longe... quem me dera ser gato.

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